Pode o Fogo de Pedrógão, ser a Ignição de um Sonho?

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Pode o fogo de Pedrogão ser a Ignição de um sonho?
Pode o fogo de Pedrógão ser a Ignição de um Sonho?

Pode o fogo de Pedrógão, ser a Ignição de um Sonho?
O Sonho de um dia, haver uma colaboração estreita entre a cidade e o campo!

Os Idosos Rurais de Pedrógão, que quiseram voltar para as suas Hortas.

Tal como a maioria dos portugueses, parei para acompanhar o caso dos incêndios de Pedrógão, que pela sua dimensão me deixou estarrecida.

Li diversos relatos de pessoas de Pedrógão e das suas reações ao incêndio.

Escutei os comunicados e as declarações dos urbanos de Lisboa, que se deslocaram oficialmente, a Pedrógão, para relatar os acontecimentos e prestar apoio às vítimas.

Dois mundos, sem vasos comunicantes?

A abordagem que eu escutei e li sobre Pedrógão, reforçou em mim, a ideia de que existe um desfasamento gritante entre o mundo rural e o mundo urbano.

As perspectivas de vida são tão díspares, que independentemente da boa vontade de todos, os torna incomunicáveis e cria situações ridículas como muitas das que foram relatadas, pelos media.

Apercebi-me, no meio da profusão de entrevistas no terreno, de um ênfase excessivo na entrevista ao político destacado para o terreno, em lugar das pessoas que estavam, de facto, a trabalhar no terreno: os voluntários e os bombeiros que combatiam os fogos. 

Nunca vou perceber, como foi possível ter jornalistas a entrevistar autarcas, sobre os acontecimentos, com os bombeiros que estiveram no terreno em pano de fundo, mas sempre inacessíveis à comunicação social. E no meio destas entrevistas no terreno, ao político de serviço, surgia também, com uma regularidade desconcertante, a questão dos técnicos de apoio psicológico, deslocados para dar apoio psicológico no terreno. Como se houvesse um guião jornalístico, que aconselhava esta abordagem muito sui generis.

A tal ponto, se ignoraram os bombeiros e os voluntários, que se tinham deslocado voluntariamente para ajudar e que estavam a dar apoio psicológico às vítimas.

Todos os voluntários e profissionais, deram o seu melhor, disso não tenho dúvidas!

E não deve ter sido nada fácil - mesmo com a boa vontade e experiência prática, quer dos bombeiros, quer dos voluntários de cariz humanitário - lidar com pessoas sujeitas a uma grande pressão psicológica, decorrente do dramatismo dos acontecimentos.

Não consigo deixar de imaginar um aldeão, a tentar calcular quanto tempo é que a horta aguenta sem água, e se é que não ardeu, enquanto abana a cabeça afirmativamente, para o técnico de apoio social e psicológico, à frente dele, que lhe vai debitando umas coisas, sem qualquer interesse prático para ele, num tom muito profissional.

No final, o técnico talvez acabe por concluir que aquela "vítima", manifesta sintomas de estar psicologicamente afectada, porque revela sinais preocupantes de alienação e apatia, talvez decorrentes do choque psicológico que sofreu.

E talvez até seja tentado a, com a melhor das intenções, recomendar uma medicação qualquer, que o aldeão terá a delicadeza de aceitar, para de seguida despejar, discretamente, pela sanita abaixo, porque na sua cabeça e no seu coração, a única "medicação" de que sente a falta, para reanimar, é mesmo a da sua horta!

O fogo de Pedrogão, na sua fúria destruidora, reuniu realidades muito diferentes. 
Realidades que, sem o fogo, quase não se tocam! E, nesta perspetiva, o fogo pode ser um fator de união e de aproximação! 

As raízes familiares e afectivas

Os únicos vasos comunicantes, que identifiquei, foram algumas pessoas do meio urbano, mas com raízes familiares ou afetivas em Pedrógão. Algumas dessas pessoas têm, ou tinham, uma segunda habitação em Pedrógão - mantendo alguma relação com as gentes locais e que por isso conseguiram ter uma compreensão muito melhor da realidade da Região e uma visão mais realista das necessidades daquelas pessoas.

Foram pessoas dessas que, mesmo depois do fogo mediático, se continuaram a deslocar a Pedrogão, para levar ajuda real:

  • comida real: batatas, cebolas e hortaliças, para substituir as da horta que ardeu
  • galinha e pintos e coelhos, para criação
  • sementes e arbustos
  • materiais para os agricultores recomeçarem as suas plantações do zero
  • materiais de construção
  • mãos para ajudar a levantar paredes e vedações
  • palavras amigas, sem pergaminhos e sem propaganda
  • um ombro para desabafar
  • amizade e esperança

Não sei quem são estas pessoas, nem quando foram, porque não levaram intermediários, nem agências... foram directamente, porta-a-porta, mão-a-mão.

Não sei quem são estas pessoas, nem quando foram, porque não levaram intermediários, nem agências... foram diretamente, porta-a-porta, mão-a-mão.

Foram, sem a companhia de um circo mediático.

Foram, sem estadias, nem refeições pagas pelo contribuinte.

Foram, sem cumprir horário.

Foram simplesmente, porque se sentiram tocadas, pela crueldade da realidade de Pedrógão e quiseram simplesmente ajudar.

Ao saber desses exemplos, eu própria, sinto-me uma urbana idiota, que não percebeu a tempo, que era muito mais importante ajudar as pessoas de Pedrógão, no terreno, do que fazer um donativo que quando chegar, às vítimas, será tarde e a más horas.

Além disso os donativos estarão reduzidos a 50%, do seu valor inicial, pelos custos das burocracias dos intermediários do sistema, como sempre acontece.

Realmente - estas pessoas têm razão - a melhor forma de ajudar Pedrógão, é ir porta-a-porta e perguntar o que é que falta. Tudo o resto são apenas paliativos para descargo de consciência.

Deveríamos todos, deslocar-nos a Pedrogão, não em Setembro, mas durantes os próximos anos, já depois de passado o fogo mediático, para nos darmos conta do que faz falta em Pedrógão e de alguma forma, anonimamente ajudar.

Como bem sabemos, muitos dos agricultores afetados pelos incêndios, não são elegíveis para receber indemnizações, pelos danos agrícolas, porque praticavam uma agricultura de sobrevivência, sem seguros, nem atividade declarada. Logo, não fazem parte das estatísticas oficiais, ou fazem?

Pedrógão é um exemplo, apenas pela dimensão da tragédia.

Pedrógão é um exemplo, apenas pela dimensão da tragédia
Pedrógão é um exemplo, pela dimensão da tragédia.

Mas quantos agricultores, todos os anos, perdem colheitas ou rendimentos, por causa do fogo sem que se lamente, nas TVs e nos Media?

Porque é que não vemos esta realidade?

Porque ela está muito distante das nossas vidas urbanas assépticas e não nos incomoda. Entre o restaurante recomendado pelos amigos do facebook e a ida ao teatro, o tempo que nos sobra é ocupado a actualizar o nosso perfil no Instagram, ou no Facebook, talvez com as fotos do último evento cultural. Nunca nos sobra tempo, ou vontade, para nos confrontarmos com o que realmente importa! 

Os Incêndios e as Causas

A transformação da nossa sociedade, de Rural em Urbana, fomentou a inutilidade do mato.

A compostagem e a pastorícia deixaram de ser suficientes para a valorização daquilo a que, agora, chamamos os "resíduos das florestas" .

Por isso tivemos que investir nos meios de combate ao fogo, em vez de investir na revalorização desses resíduos, que dariam mais rendimento às populações e melhor alimentação a quem está nas cidades.

A compostagem dos resíduos orgânicos em conjunto com a pastorícia, deveriam ser recuperadas e promovidas ou até financiadas.

Só com a compostagem dos resíduos orgânicos e com a pastorícia, reduziríamos não só muitos dos problemas que provocam os fogos, como muitos dos problemas provocados pelos fogos. Porque haverá sempre fogos e temos que saber conviver com eles.

Imagine que todos restos vegetais e alimentares, que actualente vão para incinerar ou para aterros sanitários, eram devolvidos aos solos ardidos.

Imagine que havia mais financiamento para a actividades de Pastoreio e em vez daqueles cursos financiados de fast-learning - que todos conhecemos e que proliferam nas ofertas dos jornais e dos centros de emprego - o estado canalizava os fundos das formações financiados, para cursos de silvicultura, de pastorícia, de gestão florestal e de compostagem de resíduos.

A compostagem dos resíduos orgânicos, poderia ajudar a reduzir muito a actual contaminação das águas e dos solos, com os resíduos da administração de agroquímicos no solo. Além disso poderia conduzir a um melhor aproveitamento dos próprios resíduos orgânicos urbanos, e dos resíduos das florestas - que conjugados,  são tudo o que o solo precisa para uma silvicultura e agricultura saudáveis e sustentáveis, que são a melhor medida de combate aos incêndios - em lugar de medidas arrogantes e desfasadas das reais dificuldades dos proprietários agrícolas, que já são, no seu dia-a-dia massacrados com impostos indirectos - muitas pessoas não sabem, nem querem saber, mas até para transportar ou declarar a morte de um animal o agricultor paga, taxas e mais taxinhas.

A Urgente Reaproximação da Cidade ao Campo!

Pedrógão, aconteceu quando este projecto já estava maduro, mas reforçou a minha ideia de que este era um projecto essencial para melhorar a relação e estreitar laços que reforçam a compreensão entre as cidades e o meio rural. 

E se Pedrógão não nos fez avançar, com este projecto, que já estava a ser pensado há mais de um ano, veio no entanto, acrescentar um sentido de urgência à nossa Missão:

  1. A Reaproximação da Cidade ao Campo!
  2. A Migração de Massa Crítica, dos Meios Urbanos para os Meios Rurais
  3. A ReValorização do Meio Rural
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Mariana Barbosa

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